sexta-feira, 1 de abril de 2011

Decisão: Medida Protetiva. Adolescente Mulher. Tratado Internacional.


Vistos etc.
Cuida-se de “pedido de providências” que XXXXXXXXXXXXX, na qualidade de representante legal da adolescente XXXXXXXXXXXXXX ajuizou, aos 30.MAR.2011, nesta Comarca de Ferros, MG, e no bojo do qual pede seja deferida a expedição de mandado inibitório em desfavor de XXXXXXXXXXXXXXXX, a fim de que se abstenha de se aproximar de sua filha ou de com ela manter contato telefônico.
Como causa de pedir, aduziu ser mãe da adolescente acima nominada, a qual cursa o 2º (segundo) ano do ensino médio em educandário situado na Cidade de XXXXXXXX, MG e que, como toda adolescente de sua idade (dezesseis anos), costuma frequentar grupos de jovens, atividades culturais extracurriculares e religiosas.
Corolário, necessita a adolescente de circular livremente pelas ruas da pequenina cidade, muitas vezes acompanhadas, outras tantas só.
Todavia, o demandado, sexagenário, casado e que é seu vizinho, vem, desde que a adolescente completou a idade de treze anos, assediando-a frequentemente, por meio de telefonemas em que propõe dádivas em troca de relacionamento amoroso, chegando mesmo a dizer que “era doido com ela e que morreria por ela, mas a levaria junto com ele”.
No dia 25 p.p., segundo narra a petição, teria o requerido perseguido a menina pelas ruas e que, a despeito dos pedidos desta, prosseguiu nas insinuações lascivas.
Dos fatos lavrou-se Boletim de Ocorrência, tendo todos sido conduzidos perante a autoridade policial.
É o RELATÓRIO do quanto necessário.  Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Nada obstante as recentes inovações legislativas na seara da defesa das mulheres e das crianças e dos adolescentes, o certo é que apenas aparentemente não há, seja na afamada Lei Maria da Penha, seja no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990), dispositivos legais que autorizem a concessão das medidas pleiteadas.
Com efeito, conforme se vê do sucinto relato, os assédios narrados não configuram violência psíquica no âmbito das relações domésticas ou familiares, razão pela qual não se encontra a adolescente sob o guante da Lei nº 11.340, de 2006 (Lei Maria da Penha).
Tampouco atende os seus anseios o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990), embora enuncie os seus inconcussos direitos à dignidade como pessoa em desenvolvimento e ao respeito, assegurando-lhe inclusive a liberdade de ir-e-vir, de brincar, de se divertir e de participar da vida familiar e comunitária, liberdades públicas essas que, segundo noticiam os autos, estariam sendo soçobradas por conta da conduta inconveniente do demandado.
Dentre as medidas de proteção contempladas no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990), não há instrumento hábil a coactar a atividade do requerido.
Todavia, e com o perdão pelo truísmo, antes de ser criança ou adolescente é a requerente mulher, gozando das proteções que o ordenamento jurídico pátrio lhe libera, dentre as quais aquelas constantes da “Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher”, ratificada pelo Brasil aos 27.NOV.1995, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 107, de 1995 e promulgada pelo Decreto nº 1.973, de 1996, cujo artigo 1º dispõe, verbatim, mas com grifos ora adicionados:
Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.

A definição do Tratado é ampla o suficiente para abarcar toda violência ocorrida no âmbito de qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, ocorrida na comunidade e cometida por qualquer pessoa, incluindo o assédio sexual em qualquer local (artigo 2, alíneas “a” e “b”).
O artigo 7 do indigitado diploma legal determina aos membros de Poderes de Estado que ajam com zelo na prevenção, investigação e punição a toda e qualquer forma de violência contra a mulher, adotando medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar ou ameaçar a mulher, inclusive medidas de proteção.
Nossa Constituição da República (CR/88) é enfática ao proclamar os direitos e garantias decorrentes dos princípios por ela adotados ou os defluentes de tratados internacionais (artigo 5º, §2º), donde inquestionável a validade e aplicabilidade da supramencionada Convenção, que prescinde de qualquer legislação intercalar para que seus preceitos se efetivem, mesmo porque regularmente incorporada à tessitura normativa pátria.
Tal aviso independe da corrente que se adote quanto ao reconhecimento dos tratados que versem sobre direitos humanos na dignidade de norma materialmente constitucional, defendida por doutrina de nomeada (dentre todos, mencione-se a preciosa lição de FLÁVIA PIOVENSAN, in Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9ed. São Paulo: Saraiva, 2008)
Corolário, é preciso que, ao viso de se dar aplicabilidade à diretriz constitucional e ao repto de assegurar à mulher, e sobretudo à mulher adolescente, o direito ao pleno exercício de suas liberdades públicas, se adotem as medidas jurídicas  indispensáveis, dentre as quais aquelas tendentes a proscrever ao agressor o direito de perseguir, intimidar ou ameaçar a requerente.
Havendo o fumus boni iuris, o periculum in mora mostra-se evidente, haja vista que a conduta deletéria do demandado já vem causando agravos de ordem psíquica à adolescente, como dá conta a declaração médica de folha 10, apontando quadro incipiente de depressão.
Ao que tudo indica, a conduta recalcitrante do demandado vem ganhando força nos últimos dias, forte na crença de que a vergonha e o embaraço propiciados à adolescente iriam constrangê-la ao ponto de inviabilizar o acesso ao Poder Público.
Nessa ordem de ideias, DEFIRO A LIMINAR a fim de que se expeça mandado inibitório que determine a xxxxxxxxxxxxxxxxxx a obrigação de se abster de manter qualquer forma de contato com xxxxxxxxxxxxxxxxx, seja por meio de telefonemas, seja por meio de perseguições em via pública, bem como de se manter afastado da adolescente em distância mínima de 200 (duzentos) metros, ressalvado apenas o seu direito à moradia, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por descumprimento, sem prejuízo de se submeter às sanções do crime de desobediência.
Oficie-se ao Comando da Polícia Militar a fim de que zele pelo integral cumprimento da medida ora decretada, promovendo a condução do requerido à autoridade policial sempre que instado a tanto ou sempre que constatada violação aos deveres decorrentes da presente decisão.
Intime-se a adolescente, por meio de sua representante legal.
Intime-se o requerido para que tome conhecimento desta decisão e para que a faça cumprir.
A fim de assegurar o contraditório, cite-se o requerido para oferecer resposta em 10 (dez) dias, na forma do artigo 195 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 1990), cujo procedimento será adotado por analogia.
Em seguida, com ou sem resposta, dê-se vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS.
Cumpra-se.
Ferros, quinta-feira, 31 de março de 2011.



PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES
Juiz de Direito

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