terça-feira, 30 de agosto de 2011

SENTENÇA – ANTICONCEPCIONAL – INEFICÁCIA – INDENIZAÇÃO NEGADA.





S E N T E N Ç A






Na Comarca de Itabira, xxxxxxxxxxxxxxxxxx ajuizou, aos 26.OUT.1999, demanda sob procedimento comum ordinário em face de SHERING DO BRASIL QUÍMICA E FARMACÊUTICA LTDA. em que pretende a condenação desta em danos materiais e extrapatrimoniais.
Como causa de pedir, aduziu que, não pretendendo mais ter filhos em virtude de circunstâncias diversas, fez uso do anticoncepcional “Microvlar”, fabricado e distribuído pela ré, o qual não se mostrou eficiente, vindo a demandante a engravidar, conforme constatado em exame realizado aos 27.JAN.1998.
À causa deu o valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), requerendo as benesses da Assistência Judiciária Gratuita (Lei nº 1.060, de 1950).
Com a petição inicial, vieram os documentos de folhas 08-13.
Despacho liminar positivo à folha 14.
Assistência Judiciária Gratuita (Lei nº 1.060, de 1950) deferida.
Regularmente citada (folha 17), apresentou a demandada resposta na modalidade de contestação (folhas 28-72) em que erigiu preliminar de ilegitimidade ativa ad causam quanto ao pedido de alimentos formulado.  No mérito, teceu escorço histórico a respeito do afamado caso conhecido com o das “pílulas de farinha”, qual seja o evento por força do qual cerca de seiscentas mil pílulas de Microvlar destinadas a teste e, portanto, sem princípio ativo, foram entregues à população para consumo, dando azo ao engravidamento de cerca de duzentas mulheres.
Informou que o exemplar da cartela colacionado com a petição inicial não se inclui dentro naqueles que foram inadvertidamente distribuídos, possuindo, destarte, os necessários princípios ativos para obviar a indesejada gravidez.  Demais, quando da distribuição do produto inane, a demandante já se encontrava grávida, a demonstrar a impossibilidade de ela ter se servido das pílulas desviadas.
Com a resposta, foram juntados documentos (folhas 73-249).
Impugnação autoral às folhas 251-254.
Audiência preliminar realizada aos 13.JUN.2000, azo em que foi proferida decisão interlocutória de saneamento e deferidas as provas a serem produzidas (folha 265).
Laudo pericial (perícia química laboratorial) às folhas 307-310, a respeito do qual se manifestou a ré às folhas 314-315 e a autora à folha 367, verso.
Laudo pericial ginecológico às folhas 346-348, complementado à folha 359.
Pela respeitável decisão de folhas 381-383, a modelar magistrada que me precedeu no feito indeferiu a realização de nova perícia, ao tempo em que formulou quesitos do juízo, os quais restaram respondidos à folha 380.
Nova manifestação da ré às folhas 390-392
Audiência de Instrução e Julgamento realizada aos 403-406.
Alegações finais na forma de memoriais pela autora às folhas 411-415; pela ré às folhas 419-432.
Vieram-me conclusos para sentença.
É o RELATÓRIO do quanto necessário.  Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas ou conhecidas de ofício.  Encontram-se presentes os pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo.
Quanto à suscitada ilegitimidade ativa ad causam da genitora para pleitear alimentos em prol do nascituro, a jurisprudência pátria é remansosa no sentido da possibilidade, como se vê do seguinte aresto emanado da 3ª Câmara Cível  do extinto Tribunal de Alçada mineiro, verbatim:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - GRAVIDEZ DECORRENTE DE USO DE ANTICONCEPCIONAL FALSO - ALIMENTOS - LEGITIMIDADE ATIVA DOS PAIS PARA PLEITEAR INDENIZAÇÃO EM NOME DO NASCITURO - Em podendo a obrigação decorrente do direito a alimentos começar antes do nascimento e depois da concepção, têm os pais, mesmo tratando-se de direito personalíssimo, legitimidade para pleiteá-los pelo nascituro, que será indiretamente beneficiado, enquanto se nutrir do sangue de sua mãe, e diretamente após seu nascimento, pois já que o Código Civil coloca a salvo os direitos do nascituro, e não dispõe este ainda de personalidade civil, os legitimados para representá-lo desde a gestação seriam seus pais. (TAMG - AI 0321247-9 - (35799) - Pouso Alegre - 3ª C.Cív. - Rel. Juiz Duarte de Paula - J. 20.12.2000 )

E tal ilação decorre da exegese da norma do artigo 2º do Código Civil, que salvaguarda, desde a concepção, os direitos do nascituro.  Este, ainda não tendo personalidade e, portanto, capacidade de ser parte, deve pleitear em juízo a proteção que o direito lhe libera por meio de seus representantes legais.
Superada a preliminar, passo, súbito, ao mérito.
Como relatado, amostras dos lotes dos compridos ingeridos pela demandante foram submetidas a exame pericial, o qual constatou que elas continham os componentes ativos (fls. 495/530 dos autos).
Transcrevo, litteratin:
A análise da drágea da cartela da página 12 conformou a presença das substâncias ativas, levonorgestrel e etinilestradiol, com teores dentro da faixa de especificação da Farmacopéia Americana (USP23). (folha 308).

Se assim é, os contraceptivos utilizados pela parte autora não apresentavam nenhuma irregularidade a ensejar a responsabilização da ré pela gravidez indesejada.
É de comum sabença que é a pílula anticoncepcional método que não garante cem por cento de segurança contra a gravidez, ficando a depender, dentre outros fatores, da correta utilização por parte da consumidora.
Das duas uma: ou a autora não fez uso correto do fármaco, ou se encontra dentro na margem de ineficácia imanente ao produto.
Ainda que se possa falar em responsabilidade objetiva, o certo é que não há demonstração de relação de causalidade entre a indesejada gravidez e o suposto defeito no anticoncepcional fabricado pela ré, razão pela qual arreda-se a responsabilidade civil, a teor do artigo 927 do Código Civil.
Com efeito, na hipótese vertente, o i. expert do juízo (folha 386) foi enfático ao afirmar que a concepção deu-se ou na primeira quinzena de dezembro de 1997 ou no final de novembro daquele ano, antes, portanto, da introdução no mercado das pílulas de farinha (placebos), o que aconteceu em abril de 1998.
Demais, em sede de perícia ginecológica (confira-se folha 347), a demandante informou “não se lembrar como tomava o anticoncepcional” demonstrando certa negligência quanto ao uso correto do fármaco.
Cumpre anotar que, conforme análise da embalagem que continha os comprimidos que supostamente teriam sido consumidos pela demandante (folha 12) aquela se refere ao lote de numeração 133, o qual não corresponde àquele das unidades extraviadas, representado por uma sequência de quatro algarismos zero (0000 – folha 31).  Demais disso, a referida embalagem contém datas de fabricação e validade regulares, diferentemente das unidades extraviadas.
Ainda, reprise-se que o ilustre louvado foi enfático ao asseverar (folha 310) que “as amostras das drágeas do produto Microvlar, lote 133, atendeu a todos os requisitos de qualidade exigidos pela Farmacopéia Americana [...]”
Ficou evidenciado, destarte, que a gravidez da demandante, que ocorreu no máximo em dezembro de 1998, não pode ser decorrente da ingestão da pílula que continha tão somente placebo porque a máquina que a produziu ainda não estava em funcionamento.
O egrégio Sodalício mineiro já teve oportunidade de enfrentar a hipótese em amiudadas oportunidades, caindo a lanço os seguintes venerandos arestos:
INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - GRAVIDEZ INESPERADA - INGESTÃO DE PÍLULAS PLACEBO - NÃO COMPROVAÇÃO - RESPONSABILIDADE DO LABORATÓRIO AFASTADA.
A responsabilidade do labaratório que comercializa anticoncepcionais destinado ao público é objetiva, nos termos da lei consumerista. Contudo, para fins de indenização, necessário à ocorrência do nexo entre a conduta do laboratório e o dano sofrido pelo consumidor.
Não comprovada a ingestão pela usuária de anticoncepcional sem o princípio ativo, inexiste falar em indenização em face do resultado gravidez.
Indenizacao indeferida.  (APELAÇÃO CÍVEL-Nº 1.0525.99.000279-8/001 - COMARCA-POUSO ALEGRE - ELIANE GOMES DOS SANTOS - APELANTE - LUCIANO REZENDE DOS SANTOS - APELANTE - SHERING DO BRASIL QUIMICA E FARMACEUTICA LTDA. - APELADO - DROGARIA FOCH LTDA – APELADO)


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. UTILIZAÇÃO DE CONTRACEPTIVO HORMONAL ORAL. GRAVIDEZ. DEFEITO INEXISTENTE. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. 1. A responsabilidade objetiva pelo defeito do produto, proclamada no art. 12 do Código de Defesa do Consumidor, não dispensa o nexo de causalidade entre a conduta do fabricante e o dano causado ao consumidor. 2. Não sendo demonstrada a existência de defeito no princípio ativo do contraceptivo fabricado pela ré e o nexo causal entre a gravidez da autora e o uso do produto, não há se falar em dever de indenizar. 3. Recurso não provido.  (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0433.03.090133-7/001 - COMARCA DE MONTES CLAROS - APELANTE(S): SHIRLEIDE SANTOS VERSIANI - APELADO(A)(S): SCHERING DO BRASIL QUIMICA E FARMACEUTICA LTDA - RELATOR: EXMO. SR. DES. WAGNER WILSON)

Nessa ordem de considerações, e porque ausente o necessário nexo de causalidade, extingo o feito com resolução do mérito (Código de Processo Civil, artigo 269, inciso I) e julgo IMPROCEDENTE o pedido.
Condeno a demandante nas despesas processuais e na verba honorária que, atento ao quanto vai disposto no artigo 20, §§3º e 4º do Código de Processo Civil, fixo em R$ 3.250,00 (três mil duzentos e cinquenta reais), notadamente pela realização de duas audiênciaw, pelo longo tramitar do feito e pelo número de petições ajuizadas pelas partes.  Suspendo a exigibilidade das verbas sucumbenciais ex vi do artigo 12 da Lei nº 1.060, de 1950.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Itabira, xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx.

PEDRO CAMARA RAPOSO LOPES
Juiz de Direito cooperador

Nenhum comentário:

Postar um comentário