quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

SENTENÇA - DESAPROPRIAÇÃO POR PARTICULAR


JUSTIÇA ESTADUAL DE 1ª INSTÂNCIA
COMARCA DE MARIANA
2ª VARA CÍVEL, CRIMINAL E DE EXECUÇÕES CRIMINAIS

AUTOS Nº    :
0400.11.002362-1
Num. Única   :
0313259-38.2008.8.13.0400
AUTOR          :
SAMARCO MINERACAO S.A.
ADV.             :
Drs. Joao Dacio De Souza Pereira Rolim, Juliano Magno Barbosa e Rodrigo Luiz Melo Franco Gomes De Almeida
RÉU               :
ELZA MARÇAL PINTO E OUTROS
ADV.             :
xxxxxxxxxxxxxxxxx
CLASSE       :
Procedimento Ordinário
Assunto         :
CIVIL > Coisas > Servidão
Juiz Prolator :
Pedro Camara Raposo-Lopes









S E N T E N Ç A






Na Comarca de Mariana, MG, SAMARCO MINERAÇÃO S.A. ajuizou, aos 03.JUN.2011, “ação de constituição de servidão” em face de ELZA MARÇAL PINTO, GIEZE FERREIRA PINTO, TARCÍSIO FERREIRA PINTO, VITOR MODESTO, GERALDO FERREIRA, PERPÉTUA DAS DORES FERREIRA DE OLIVEIRA, FRANCISCO PINTO FERREIRA, CONCEIÇÃO APARECIDA FERREIRA, EFIGÊNCIA LÚCIA FERREIRA, SEBASTIÃO FERREIR NETO e JORGINA FERREIRA, no bojo da qual pediu lhe fosse constituído por sentença o direito de servidão sobre 4,55 ha (quatro hectares e cinquenta e cinco ares) do imóvel denominado “Jambeiro”, localizado na Cidade de Mariana, MG, no distrito de Bandeirantes, com área total de 21,1750 ha (vinte e um hectares, dezessete ares e cinquenta centiares).
Como causa de pedir, aduziu haver sido editada a Resolução Autorizativa ANEEL nº 2.260, de 2010 por meio da qual restou autorizado à demandante o acesso, na qualidade de “consumidor livre”, à Rede Básica do Sistema Interligado Nacional – SIN, ao fito de permitir a ampliação e realização de melhorias em suas instalações denominadas “Unidade Germano”, visto que o sistema de distribuição da concessionária local já estaria atuando nos limites de sua capacidade operacional.
Corolário, fez o Executivo estadual baixar, aos 03.FEV.2011, o Decreto de Declaração de Utilidade Pública para fins de constituição de servidão de áreas necessárias à passagem de linha de transmissão de acesso à Rede Básica do Sistema Interligado Nacional – SIN em favor da demandante, a quem, pelo mesmo ato, foi delegada a promoção da constituição de servidão administrativa.
Informou que a faixa de servidão abrange vinte e sete imóveis e que será necessária a realização de obras ao longo.
Noticiou que as tratativas visando à instituição de servidão em relação aos corréus restaram baldadas.
Fundamentou seus pedidos no Decreto nº 38.851, de 1954 e no Decreto-lei nº 3.365, de 1941,
Informou que os agravos a serem suportados pelo imóvel serviente foram avaliados em R$ 28.980,00 (vinte e oito mil, novecentos e oitenta reais), valor esse atribuído à causa.
Com a petição inicial vieram os documentos de folhas 22-270.
Custas recolhidas à folha 272 e 221 (numeração equivocada).
Foi pedida a imissão na posse, tendo o magistrado que me antecedeu no feito deferido a imediata constituição da servidão, mediante depósito de quantia equivalente à avaliação administrativa.
Depósito judicial efetivado à folha 219, tendo sido expedido ofício para o registro imobiliário.
Regularmente citados, quedaram-se silentes os demandados.
A demandante requereu o julgamento do feito no estado em que se encontra.
É o RELATÓRIO do quanto necessário.  Passo a FUNDAMENTAR e DECIDIR.
Não há nulidades a serem sanadas, tampouco lobrigo a existência de qualquer delas que deva ser conhecida de ofício.
Há, todavia, questão prévia que merece ser apreciada neste comenos.
Como sucintamente relatado, é a demandante pessoa jurídica de direito privado que se enquadra na categoria de “consumidor livre”, pretendendo instituir servidão administrativa ao viso de acessar e seccionar linhas do sistema de transmissão da concessionária de serviço público de transmissão de energia elétrica FURNAS – CENTRAIS ELÉTRICAS S.A., na forma do contrato de conexão ao sistema enganchado nestes autos às folhas 89-149.
Como é cediço, a competência, em matéria de desapropriação, triparte-se em:  competência legislativa, competência declaratória e competência executória.
Interessa, para o desate da presente demanda, a chamada “competência executória”, consistente na legitimidade para promover os atos práticos tendentes a promover a incorporação do patrimônio privado ao erário, em se tratando de desapropriação, ou afetação de um bem privado serviente a um serviço dominante, em se tratando de servidão administrativa.
Peço vênia para transcrever preciosa ensinança do eminente publicista KIYOSHI HARADA (in Desapropriação: doutrina e pratica. - 7. ed. - São Paulo:  Atlas, 2007, pp. 59-60), ipsissima verba, mas com supressões decorrentes da síntese:
[…] Podem figurar como sujeito ativo da desapropriação quaisquer entidades politicas componentes da Federação, isto é, a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, que detêm o poder de desapropriar.  Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público, também, podem expropriar, desde que expressamente autorizados por lei ou contrato […]
Importante frisar que poder expropriatório original só detêm as entidades políticas componentes da Federação.  Tanto os concessionários de serviços públicos, como os estabelecimentos de caráter público, assim entendidas as pessoas jurídicas que exercem, por delegação, as atribuições do Poder Público, só podem desapropriar mediante autorização legislativa ou contratual.  Em outras palavras, a entidade política competente concede ao concessionário ou delegado de Poder Público a faculdade de desapropriar os bens necessários ao desempenho de suas obrigações legais e contratuais, isto é, a execução do serviço público.” (original sem grifos)

Tal é a inteligência do artigo 3º do Decreto-Lei nº 3.365, de 1941, cuja redação encontra-se vazada nos seguintes termos:
Art. 3º  Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato. (original sem grifos).

Na hipótese vertente, arrima-se a demandante no Decreto estadual s/nº, de 02 de fevereiro de 2011, o qual, deveras, em seu artigo 3º, autoriza a autora a “promover a constituição de servidão dos terrenos descritos no Anexo podendo, para efeito de imissão na posse, alegar  a urgência de que trata o art. 15 do Decreto-Lei Federal nº 3.365, de 1941.”
Entretanto, a autorização mencionada no indigitado decreto não atende ao quanto disposto no Decreto-Lei nº 3.365, de 1941.
É que, em se tratando de servidão administrativa, caem por terra os conceitos civilísticos de “bem dominante” e “bem serviente”.  Há, é verdade, sempre um bem serviente, mas “dominante” será, em toda e qualquer hipótese, um serviço público, como pontifica o nunca assaz lembrado RUY CIRNE LIMA, em lições que ainda guardam o viço original (Das servidões administrativas. In Revista de Direito Público, nº 5, jul/set 1968, p. 26.), verbatim:
[coisa dominante, na servidão administrativa] é “o serviço público, ou seja, a organização de pessoas e bens constituída para executá-la”, [sendo que] “a noção de serviço público não implica necessariamente a da propriedade de um imóvel, no qual a organização assente o seu funcionamento, e em favor do qual a servidão administrativa se constitua”.

Em se tratando de serviço público de energia elétrica, compete à UNIÃO a exploração direta ou mediante autorização, concessão ou permissão, ex vi do artigo 21, inciso XII, alínea “b” da Lex Legum.
Nem se diga ser a demandante autorizada de serviço público, porque tal categoria, de resto controversa na doutrina pátria, tem seus destinatários identificados no artigo 7º da Lei nº 9.074, de 1995, quem sejam os autoprodutores autorizados a operarem termelétricas de potência superior a 5.000 kW ou potenciais hidráulicos entre 1.000 kW a 10.000kW.
Tratando-se os concessionários, permissionários e autorizados de serviços públicos de energia elétrica os únicos aptos a figurar como delegatários da competência executória de instituição de servidões, submetem-se aos ditames da Resolução Normativa ANEEL nº 279, de 2007 sem prejuízo da necessária delegação legal ou contratual.
O caso sub examine é, repita-se, de particular consumidor livre de serviço de energia elétrica que não produz um único kW de energia elétrica, em relação a quem se aplicam tão somente os ditames do Decreto nº 5.597, de 2005 o qual regulamenta o acesso de consumidores livres às redes de transmissão de energia elétrica e cuja autorização nada tem a ver com autorização de serviço público, tratando-se de mero ato de consentimento mais condizente com o exercício da polícia administrativa.
Tampouco mostra-se aplicável à hipótese vertente o Decreto nº 35.851, de 1954, o qual abarca sob o seu guante normativo tão-somente os concessionários para o aproveitamento industrial das quedas d'água, ou, de modo geral, para produção, transmissão e distribuição de energia elétrica.
Caberia exclusivamente a FURNAS – CENTRAIS ELÉTRICAS S.A., também interessada no contrato de conexão ao sistema de transmissão, a promoção da instituição de servidão administrativa, mediante ressarcimento de encargos, conforme disposto em contrato.
Nessa ordem de considerações, reconheço a ilegitimidade ativa da demandante e, por conseguinte, extingo o feito sem resolução do mérito, na forma do artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil brasileiro.
Condeno a demandante nas custas processuais.  Deixo de condená-la em honorários advocatícios, à míngua de contraditório.
Revogo a liminar e, corolário, determino a expedição de mandado ao registro de imóveis, a fim de que se cancele o registro com base nela efetivado.
Expeça-se alvará de levantamento em prol da demandante, relativamente à quantia depositada à guisa de depósito prévio.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se.
Mariana, 22 de janeiro de 2013

PEDRO CAMARA RAPOSO-LOPES

Juiz de Direito

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