terça-feira, 9 de junho de 2015

Mais Uma Rebelião - Sistema Prisional Falimentar

Neste final de semana assistimos a mais uma rebelião em uma penitenciária mineira, desta feira na Cidade de Governador Valadares. Graças à presentânea intervenção de mediadores, notadamente do hábil Juiz de Direito Thiago Colnago Cabral (não por acaso vencedor do cobiçado Prêmio Innovare do ano de 2013, na categoria "Cidadania Prisional") o motim teve breve duração e o número de "perdas humanas", com o perdão pelo eufemismo, pequeno (apenas duas, dois detentos que dificilmente serão lembrados nas estatísticas da violência). Tenho feito, em bases diárias, audiências com internos do sistema prisional e, posso-lhes afiançar,enganam-se redondamente aqueles que creem que a população encarcerada é composta em seu maior número por meliantes contumazes na prática de crimes cruentos, como os que vêm ao proscênio dos noticiários diários, ou praticados por organizações criminosas. Tenho o cuidado de analisar cada crime cometido pelos "reeducandos" nestas audiências e estou convicto, por amostragem, que a maioria da população carcerária não passa de um contingente de usuários de drogas que, a fim de se dessedentarem do nefasto vício, praticam sucessivos crimes de pequeno potencial ofensivo, na sua grande parte furtos ou roubos impróprios (aqueles em que a violência é empregada após o cometimento do furto para assegurar a posse da coisa surrupiada). Ontem, entrevistei um indivíduo com pena de 22 (vinte e dois) anos a cumprir. Em sua folha de antecedentes, quatro condenações, sendo três por furto (uma bermuda, um aparelho de som e um aparelho celular) e um roubo (ao ser pilhado furtando um celular, o condenado mordeu o braço da vítima para empreender fuga). Todos os crimes com o intuito de trocar os bens furtados/roubados por droga (geralmente o malfadado 'crack'). Já há nove anos amargando o regime fechado em penitenciárias superlotadas, o que se postou diante de mim foi um indivíduo embrutecido, com o olhar perdido, despersonalizado pelo uniforme colorado, dopado pelos medicamentos inebriantes distribuídos aos racimos aos presos abstinentes e muito pouco crente em minhas palavras de incentivo à ressocialização e consolo pela sua expiação. Cometera o primeiro crime quanto contava 19 anos de idade. Hoje, já na casa dos 30, já não acredita em si próprio, na sua capacidade de se livrar dos grilhões da baixa auto-estima, o maior verdugo do ser humano. Muito provavelmente poderá cometer atos de maior gravidade. O problema das drogas pode ser encarado como uma questão de polícia ou de saúde pública. Portugal tratou a questão como de saúde pública; Nova York, como de polícia. Ambos obtiveram resultados positivos no combate às drogas. O Brasil, de outra parte, não se posicionou. Cuida do usuário como caso de saúde, mas não subministra ao usuário (toxicômano) qualquer cuidado mínimo no trato de sua doença, ao passo que comina ao tráfico penas bastante elevadas. Resultado: transforma-se usuário em traficante, de vez que não existe uma linha tênue, no Brasil, a dividir ambas as categorias. Joga-se o usuário no cárcere, local onde certamente encontrará farto material para aguilhoar a sua revolta e, por conseguinte, participar de rebeliões sangrentas, como a que aconteceu neste final de semana. Resultado: nossa população carcerária é de mais de 720.000 presos (a maior parte mortos-vivos carentes de tratamento, sem falar nos absolutamente incapazes, os antigamente chamados de "loucos de todo gênero"), havendo déficit 368.000 vagas.O STF, segundo se noticia, decidirá sobre a descriminalização do uso. Penso que pouca diferença fará. O enquadramento do usuário como traficante é só questão de "jeitinho". Lado outro, não tratar do usuário como problema de saúde, num país tão leniente ao combate do tráfico nas fronteiras, significa perpetuar o caos do sistema penitenciário como matriz da criminalidade de alta periculosidade. Neste contexto, a questão da redução da maioridade penal é apenas mais uma cortina de fumaça para esconder o que realmente importa no debate da violência neste País.

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